TRATADO - CAPÍTULO TERCEIRO

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ESCOLHA DA VERDADEIRA
DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA

90. Postas estas cinco verdades, impõe-se, mais do que nunca, fazer uma boa escolha da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, porque há cada vez mais falsas devoções a Nossa Senhora, e é fácil tomá-las por verdadeiras. O demônio, como falso moedeiro e enganador fino e experimentado, já enganou e levou à condenação tantas almas, por meio duma  falsa devoção a Nossa Senhora, que todos os dias se serve da sua experiência diabólica para perder muitas outras. Deleita-as e adormece-as no pecado sob pretexto de algumas orações mal rezadas e dumas quantas práticas exteriores que lhes inspira. Assim como um falso moedeiro não falsifica ordinariamente senão ouro e prata, e muito raramente outros metais, por estes não lhe valerem tal trabalho, também o espírito maligno não falsifica tanto as outras devoções, como as que se referem a Jesus e a Maria: a devoção à Sagrada
Comunhão e a Nossa Senhora. Estas são, entre as demais devoções, o que são o ouro e a prata entre os metais.

91. Em razão disso é muito importante conhecer:

Primeiro as falsas devoções à Santíssima Virgem para as evitar, e a verdadeira, para abraçá-la.

Depois, importa distinguir entre tantas práticas diferentes desta última, qual a mais perfeita, a mais agradável à Santíssima Virgem Maria, aquela que dá mais glória a Deus e que é mais santificante para nós, para a Ela nos apegarmos.

Artigo Primeiro
Sinais da falsa devoção e da
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria

I. Falsos devotos e falsas devoções
à Santíssima Virgem Maria

92. Conheço sete espécies de falsos devotos e falsas devoções,
a saber:

  1. Os devotos críticos;
  2. Os devotos escrupulosos;
  3. Os devotos exteriores;
  4. Os devotos presunçosos;
  5. Os devotos inconstantes;
  6. Os devotos hipócritas;
  7. Os devotos interesseiros.

1. Os devotos críticos

93. Os devotos críticos são, ordinariamente, sábios orgulhosos, espíritos fortes e que se bastam a si mesmos. No fundo têm alguma devoção à Santíssima Virgem Maria, mas criticam quase todas as práticas de devoção que as almas simples tributam singela e santamente a esta boa Mãe, porque não condizem com a sua fantasia. Põem em dúvida todos os milagres e narrações referidas por autores dignos de crédito ou tiradas das crônicas de ordens religiosas, e que testemunham as misericórdias e o poder da Santíssima Virgem. Vêem com desgosto pessoas simples e humildes ajoelhadas diante dum altar ou imagem da Virgem, talvez no recanto duma rua, para aí rezar a Deus. Acusam-nas até mesmo de idolatria, como se estivessem a adorar madeira ou pedra. Dizem que, quanto a si, não gostam dessas devoções exteriores, e que não são tão fracos de espírito que vão acreditar em tantos contos e historietas que correm a respeito da Santíssima Virgem. Quando lhes referem os louvores admiráveis que os Santos Padres tecem a Nossa Senhora, ou respondem que isso é exagero, ou explicam erradamente as suas palavras. Esta espécie de falsos devotos e de gente orgulhosa e mundana é muito para temer, e causam imenso mal à Devoção a Nossa Senhora, afastando eficazmente dela o povo, sob o pretexto de destruir abusos.

2. Os devotos escrupulosos

94. Os devotos escrupulosos são pessoas que temem desonrar o Filho honrando a Mãe, rebaixar um ao elevar a outra. Não podem suportar que se prestem à Santíssima Virgem louvores muito justos, tais como os Santos Padres lhe dirigiram. Não toleram, senão contrariados, que haja mais pessoas de joelhos diante dum altar de Maria que diante do Santíssimo Sacramento. Como se uma coisa fosse contrária à outra, como se aqueles que rezam a Nossa Senhora não rezassem a Jesus Cristo por meio d'Ela! Não querem que se fale tantas vezes da Santíssima Virgem, nem que a Ela nos dirijamos tão freqüentemente. Eis algumas frases que lhes são habituais: Para que servem tantos terços, tantas confrarias e devoções externas à Santíssima Virgem? Há muita ignorância nisto tudo! Faz-se da religião uma palhaçada. Falem-me dos que têm Devoção a Jesus Cristo (freqüentemente pronunciam este Santo Nome sem a devida reverência, sem descobrir a cabeça, digo-o entre parêntesis). É preciso pregar Jesus Cristo: eis a doutrina sólida!

Isto que dizem é verdadeiro num certo sentido; mas quanto à aplicação que disso fazem, para impedir a Devoção à Virgem Santíssima, é muito perigoso. Trata-se duma cilada do inimigo sob pretexto dum bem maior. Pois nunca se honra mais a Jesus Cristo do que quando se honra muito à Santíssima Virgem. A razão é simples: só honramos a Virgem no intuito de honrar mais perfeitamente a Jesus Cristo, indo a Ela apenas como ao caminho que leva ao fim almejado, que é Jesus.

95. A Santa Igreja, com o Espírito Santo, bendiz em primeiro lugar a Virgem e só depois Jesus Cristo: “Bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus” (Lc 1, 42). Não é que Maria seja mais que Jesus, ou igual a Ele: dizê-lo seria uma heresia intolerável. Mas, para mais perfeitamente bendizer Jesus Cristo, é preciso louvar antes a Virgem Maria. Digamos, pois, com todos os verdadeiros devotos da Santíssima Virgem, e contra esses falsos devotos escrupulosos: Ó Maria, bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus!


3. Os devotos exteriores

96. Os devotos exteriores são pessoas que fazem consistir toda a Devoção à Santíssima Virgem em práticas externas. Ficam apenas na exterioridade desta Devoção, por lhes faltar espírito interior. Rezarão muitos terços às pressas; ouvirão muitas Missas sem atenção; irão sem devoção às procissões; entrarão em todas as confrarias de Nossa Senhora sem mudar de vida, sem fazer violência às suas paixões, nem imitar as virtudes desta Virgem Perfeitíssima. Só apreciam o que há de sensível na Devoção, sem atender ao que tem de sólido. Se não experimentam prazer sensível nas suas práticas, julgam que já não fazem nada, desorientam-se, abandonam tudo, ou fazem as coisas precipitadamente. O mundo está cheio desta espécie de devotos exteriores, e não há ninguém como eles para criticar as almas de oração. Estas aplicam-se ao interior, por ser o essencial, sem todavia desprezar a modéstia exterior que acompanha sempre a Verdadeira Devoção.

4. Os devotos presunçosos

97. Os devotos presunçosos são pecadores entregues às suas más paixões, ou amigos do mundo. Sob o belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a embriaguez, ou a cólera, ou a blasfêmia, ou a maledicência, ou a injustiça etc. Dormem em paz nos seus maus hábitos, sem se esforçar muito para os corrigir, sob o pretexto de que são devotos de Nossa Senhora. Dizem para consigo mesmos que Deus lhes perdoará, que não hão de morrer sem confissão e não serão condenados porque rezam o Terço, porque jejuam aos sábados e pertencem à confraria do Santo Rosário ou do escapulário, ou às suas congregações, ou porque trazem o hábito ou a cadeia da Santíssima Virgem etc.

Se alguém lhes diz que a sua devoção não passa de ilusão do demônio e de perniciosa presunção capaz de os condenar, não querem acreditar. Dizem que Deus é bom e misericordioso, que não nos criou para a condenação, que todos pecam, que não morrerão impenitentes, que um bom “Pequei” (2 Sm 12, 13; Sl 50) à hora da morte será suficiente. E, para mais, são devotos de Nossa Senhora, usam o escapulário, rezam diariamente, sem falha e sem vaidade, sete Pai-Nossos e sete Ave-Marias em sua honra. E, às vezes, até rezam o Terço e o ofício da Santíssima Virgem, e até jejuam! Para confirmar o que dizem e para ainda mais se cegarem, citam algumas histórias que ouviram ou leram em algum livro, histórias verdadeiras ou falsas (isso pouco importa). Nestas se conta como pessoas mortas em pecado mortal sem confissão, foram ressuscitadas para se confessarem, porque durante a vida tinham recitado orações ou praticado alguns atos de devoção à Santíssima Virgem. Ou ainda como a alma ficou miraculosamente no corpo até a confissão, ou obteve de Deus contrição e perdão dos seus pecados no momento da morte pela misericórdia da Virgem, sendo assim salva. E estes falsos devotos esperam o mesmo.

98. Nada é tão prejudicial no Cristianismo como esta presunção diabólica. Pois poder-se-á dizer, com verdade, que se ama e honra a Santíssima Virgem, quando se fere, traspassa, crucifica e ultraja impiedosamente Jesus Cristo, seu Filho, com o pecado?! Se Maria se comprometesse a salvar, por misericórdia, esta espécie de pessoas, autorizaria o crime, ajudaria a crucificar e ofender seu Filho! Quem ousará sequer pensar coisa semelhante?!

99. A Devoção à Santíssima Virgem é, depois da Devoção a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, a mais santa e a mais sólida. Por isso afirmo: abusar assim dela é cometer um horrível sacrilégio que, depois do sacrilégio da Comunhão indigna, é o menos perdoável de todos. Concordo que, para ser verdadeiro devoto da Santíssima Virgem, não é absolutamente necessário ser tão santo que se evite todo pecado, embora isso fosse de desejar, mas, pelo menos, é preciso (e note-se bem o que vou dizer):

1º. Ter uma sincera resolução de evitar, ao menos, todo pecado mortal, que ultraja tanto a Mãe como o Filho.

2º. Fazer violência contra si mesmo para evitar o pecado.

3º. Entrar em confrarias, rezar o Terço, o Santo Rosário ou outras orações, jejuar aos sábados etc.

100. Isto é duma utilidade maravilhosa para a conversão dum pecador, mesmo endurecido. Se o meu leitor está nesse caso, aconselho-o a que o faça, ainda mesmo que já tenha um pé no abismo. Faça estas boas obras unicamente com o fim de obter de Deus, por intercessão da Santíssima Virgem, a graça da contrição e do perdão dos seus pecados, e a graça de vencer os seus maus hábitos. Não as faça, porém, pensando que poder- se-á demorar tranquilamente no estado de pecado, indo contra o remorso da sua consciência,o exemplo de Jesus Cristo e dos santos, e as máximas do Santo Evangelho.

5. Os devotos inconstantes

101. Os devotos inconstantes são aqueles que praticam alguma devoção à Santíssima Virgem a intervalos e por capricho: ora são fervorosos, ora tíbios; ora parecem dispostos a fazer tudo para servir Nossa Senhora, ora, e pouco depois, já não parecem os mesmos. A princípio abraçarão todas as devoções à Santíssima Virgem, entrarão em suas confrarias, mas logo depois já não praticarão as regras com fidelidade. Mudam como a Lua (Eclo 27, 12), e Maria esmaga-os sob os Seus pés como ao crescente (Ap 12, 1), porque são volúveis e indignos de serem contados entre os servos desta Virgem Fiel. Estes têm a fidelidade e a constância por herança. Mais vale não se sobrecarregar com tantas orações e práticas de devoção, e fazer pouco com amor e fidelidade, a despeito do mundo, do demônio e da carne.

6. Os devotos hipócritas

102. Há ainda outros falsos devotos da Santíssima Virgem, que são os devotos hipócritas. Cobrem os seus pecados e maus hábitos com a capa desta Virgem Fiel, a fim de passar pelo que não são aos olhos dos homens.

7. Os devotos interesseiros

103. Os devotos interesseiros só recorrem à Santíssima Virgem para ganhar algum processo, para evitar algum perigo, para obter a cura de alguma doença, ou para qualquer outra necessidade deste gênero, sem o que a esqueceriam. Uns e outros são falsos devotos, e não têm aceitação diante de Deus nem de sua Santa Mãe.

Guardemo-nos das falsas devoções

104. Evitemos, portanto, pertencer ao número dos devotos críticos, que não acreditam em nada e criticam tudo; dos devotos escrupulosos, que temem ser demasiado devotos da Santíssima Virgem, por respeito para com Jesus Cristo; dos devotos exteriores, que fazem consistir toda a sua devoção em práticas externas; dos devotos presunçosos, que, ao abrigo da sua falsa devoção à Santíssima Virgem, apodrecem nos seus pecados; dos devotos inconstantes que, por leviandade, variam as suas práticas de devoção, ou as deixam completamente à menor tentação; dos devotos hipócritas, que entram em confrarias e usam as insígnias da Virgem a fim de se passar por bons, e finalmente, dos devotos interesseiros, que só recorrem à Santíssima Virgem para ser livres dos males do corpo, ou obter bens temporais.

II. A Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

105. Depois de termos posto a descoberto e condenado as falsas devoções à Santíssima Virgem, é necessário estabelecer em poucas palavras a verdadeira, que é:

  1. Interior;
  2. Terna;
  3. Santa;
  4. Constante;
  5. Desinteressada.

1. A Verdadeira Devoção é Interior

106. A Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem é, em primeiro lugar, interior, quer dizer, parte do espírito e do coração; provém da estima que se tem à Santíssima Virgem, da alta ideia que se forma das suas grandezas e do amor que se lhe consagra.

2. A Verdadeira Devoção é Terna

107. Em segundo lugar, é terna, isto é, cheia de confiança na Virgem Santíssima, como é a dum filho na sua boa mãe. Faz com que uma alma recorra a Maria em todas as necessidades do corpo e do espírito, com muita simplicidade, confiança e ternura. A alma implora o auxílio desta terna Mãe em todo o tempo, lugar e circunstância: nas dúvidas, para ser esclarecida; nos desvios, para ser reencaminhada; nas tentações, para ser sustentada; nas fraquezas, para ser fortificada; nas quedas, para ser reerguida; nos desânimos, para ser encorajada; nos escrúpulos, para ser livre deles; nas cruzes, trabalhos e revezes da vida, para ser consolada. Numa palavra, em todos os males físicos ou espirituais, Maria é o seu socorro habitual, não receando ela importunar esta boa Mãe, nem desagradar a Jesus Cristo.

3. A Verdadeira Devoção é Santa


108. A Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem é Santa, isto é, leva a alma a evitar o pecado e a imitar as virtudes de Maria, particularmente a sua profunda humildade, a sua fé viva, a sua obediência cega, a sua contínua oração, a sua mortificação universal, a sua pureza divina, a sua ardente caridade, a sua paciência heroica, a sua doçura angélica e sua sabedoria divina. Estas são as dez principais virtudes da Santíssima Virgem.

4. A Verdadeira Devoção é Constante

109. Em quarto lugar, a Devoção Verdadeira é constante. Fortalece a alma no bem, levando-a a não abandonar com facilidade os seus exercícios de devoção. Torna-a corajosa em opor-se ao mundo com as suas modas e máximas; à carne com seus aborrecimentos e paixões; e ao demônio com suas tentações. De modo que uma pessoa verdadeiramente devota da Santíssima Virgem não é volúvel, melancólica, escrupulosa nem receosa. Não quer isto dizer que não caia, ou que não mude algumas vezes na sensibilidade da sua devoção. Mas se cai, estende a mão à sua boa Mãe e levanta-se. Se perde o gosto e a devoção sensível, não se perturba, porque o justo e fiel servo de Maria vive da fé em Jesus e Maria, e não dos sentimentos do corpo (Hb 10, 38).

Essa Devoção faz com que a alma recorra à Santíssima Virgem
em todas as suas necessidades, corporais e espirituais,
com muita simplicidade, confiança e ternura,
e peça ajuda a Ela como à sua Verdadeira e Boa Mãe.

5. A Verdadeira Devoção é Desinteressada

110. Finalmente, a Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem é desinteressada, pois inspira à alma que não se busque a si mesma, mas só a Deus em sua Santa Mãe. O verdadeiro devoto de Maria não serve esta augusta Rainha por espírito de lucro ou de interesse, mas unicamente porque Ela merece ser servida, e Deus n'Ela. Não ama Maria propriamente porque recebe ou espera d'Ela algum bem, mas sim porque Ela é amável. É por isso que a ama e serve tão fielmente nos desgostos e securas como nas doçuras e no fervor sensível. Ama-a tanto no Calvário como nas bodas de Caná. Oh! Como é agradável e preciosa aos olhos de Deus e de sua Santa Mãe uma tal alma, que não se busca a si mesma nos serviços que lhe presta! Mas como é raro encontrá-la presentemente! Foi com o intuito de que não seja tão rara que peguei na pena e escrevi o que tenho ensinado com fruto, em público e em particular, nas minhas missões, durante muitos anos.

Desígnios, Esperanças e Anúncios Proféticos


111. Muito já disse acerca da Santíssima Virgem, mas muito mais me resta dizer, e infinitamente mais será o que hei de omitir por ignorância, insuficiência, ou falta de tempo, no desígnio que tenho de formar um verdadeiro devoto de Maria e um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo.

112. Oh! Como seria bem empregado o meu trabalho, se este pequeno escrito caísse nas mãos duma alma bem nascida, nascida de Deus e de Maria, não do sangue ou da vontade da carne, nem da vontade do homem (Jo 1, 13), e se este livrinho lhe revelasse e inspirasse, pela graça do Espírito Santo, a excelência e o valor da verdadeira e sólida Devoção à Santíssima Virgem, que vou descrever! Se eu soubesse que o meu sangue criminoso podia servir para fazer entrar no coração as verdades que escrevo em honra da minha querida Mãe e soberana Rainha, de quem sou o último dos filhos e dos escravos, servir-me-ia dele em vez de tinta, para escrever as letras. Tenho esperança de encontrar almas boas que, pela sua fidelidade à prática que ensino, compensarão à minha querida Mãe e Senhora pelas perdas que a minha ingratidão e infidelidade lhe têm causado.

113. Sinto-me, mais do que nunca, animado a crer e a esperar em tudo aquilo que trago profundamente gravado no coração, e já há muitos anos peço a Deus: que mais cedo ou mais tarde a Santíssima Virgem terá um número nunca igualado de filhos, servos e escravos de amor, e que, por este meio, Jesus Cristo, meu Mestre muito amado, reinará nos corações como nunca.

114. Prevejo que muitos animais frementes virão em fúria para rasgar com seus dentes diabólicos este pequeno escrito e aquele de quem o Espírito Santo se serviu para o compor. Ou pelo menos procurarão envolver este livrinho nas trevas e no silêncio duma arca, a fim de que não apareça. Atacarão mesmo e perseguirão aqueles que o lerem e puserem em prática. Mas, que importa? Tanto melhor! Esta visão anima-me e faz-me esperar um grande êxito, isto é, um grande esquadrão de bravos e valorosos soldados de Jesus e Maria, de ambos os sexos, que combaterão o mundo, o demônio e a natureza corrompida, nos tempos perigosos que mais do que nunca se aproximam! (Mt 24, 15). “Aquele que lê, entenda! Quem puder compreender, compreenda!” (Mt 19, 12).


Prevejo muitas bestas raivosas que virão em fúria
para devorar com seus dentes diabólicos
este pequeno escrito, e aquele do qual o
Espírito Santo serviu-se para escrevê-lo.

Artigo Segundo
As Práticas da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

I. As Práticas Comuns

115. São muitas as práticas interiores da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Eis, em resumo, as principais:

1ª. Honrá-la, como digna Mãe de Deus, com o culto de hiperdulia, ou seja, estimá-la acima de todos os outros santos, como sendo obra-prima da graça, e a primeira depois de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem;

2ª. Meditar suas virtudes, privilégios e ações;

3ª. Contemplar as suas grandezas;

4ª. Dirigir-lhe atos de amor, de louvor e de reconhecimento;

5ª. Invocá-la com todo o coração;

6ª. Oferecer-se e unir-se a Ela;

7ª. Fazer as suas ações com o fim de lhe agradar;

8ª. Começar, continuar e terminar todas as ações por Ela, n'Ela, com Ela e para Ela, a fim de as fazer por Jesus Cristo, em Jesus Cristo, com e para Jesus Cristo, nosso último fim. Mais adiante explicaremos esta última prática.

116. A Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem tem igualmente várias práticas exteriores, sendo as principais:

1ª. Inscrever-se nas suas confrarias e entrar nas suas congregações;

2ª. Ingressar nas ordens religiosas instituídas em sua honra;

3ª. Publicar os Seus louvores;

4ª. Dar esmolas, jejuar e fazer mortificações espirituais ou corporais em sua honra;

5ª. Trazer as suas insígnias como o Santo Rosário,Terço, o escapulário, a medalha milagrosa ou a cadeiazinha;

6ª. Rezar com modéstia, atenção e devoção o Santo Rosário composto de quinze dezenas de Ave-Marias, em honra dos quinze principais mistérios de Jesus Cristo, ou o Terço de cinco dezenas, que é a terça parte do Rosário e honra os cinco mistérios gozosos, dolorosos ou gloriosos. (Os mistérios gozosos são: a Anunciação, a Visitação, o Nascimento de Jesus Cristo, a Purificação e o encontro de Jesus no Templo. Os mistérios dolorosos são: a Agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras, a sua Flagelação, a Coroação de espinhos, o Carregamento da Cruz e a Crucificação. E os mistérios gloriosos são: a Ressurreição de Jesus, a sua Ascensão, a Descida do Espírito Santo ou Pentecostes, a Assunção da Santíssima Virgem ao Céu, em corpo e alma, e a sua Coroação pelas três Pessoas da Santíssima Trindade). Também se pode rezar um Terço de seis ou sete dezenas, em honra dos anos que se supõe ter vivido a Santíssima Virgem na Terra. Ou ainda a coroinha de Nossa Senhora, composta de três Pai-Nossos e doze Ave-Marias, em honra da sua coroa de doze estrelas ou privilégios. Igualmente se pode rezar o ofício da Santíssima Virgem, tão universalmente aceito e recitado na Igreja. Ou o pequeno saltério de Nossa Senhora, composto por São Boaventura em sua honra e que é tão terno e devoto que não se pode rezar sem comoção. Ou quatorze Pai-Nossos e Ave-Marias em honra das suas catorze alegrias. Enfim, podem rezar se quaisquer outras orações, hinos e cânticos da Igreja, tais como: o “Salve Rainha”, o “Alma redemptoris mater”, o “Ave Regina Coelorum”, ou o “Regina Caeli” - segundo os diferentes tempos -, o “Ave Maris Stella”, o “O Gloriosa Domina”, o “Magnificat” ou outras fórmulas de devoção de que os livros estão cheios;

7ª. Cantar e fazer com que se cante em sua honra cânticos espirituais;

8ª. Dirigir-lhe um certo número de genuflexões ou inclinações, dizendo-lhe, por exemplo, sessenta ou cem vezes cada manhã: “Ave, Maria, Virgem Fiel!”, a fim de obter de Deus por meio d'Ela a fidelidade às graças de Deus durante o dia. Da mesma maneira pode-se dizer à noite: “Ave, Maria, Mãe de misericórdia!”, para pedir por Ela perdão a Deus dos pecados cometidos nesse dia;

9ª. Cuidar das suas confrarias, enfeitar os Seus altares, coroar e embelezar as suas imagens;

10ª. Levar e fazer com que sejam levadas em procissão as suas imagens, e trazer uma consigo, como arma poderosa contra o espírito maligno;

11ª. Mandar fazer e colocar imagens suas, ou o seu Nome, nas igrejas, nas casas, nas portas e entradas das cidades, igrejas e habitações;

12ª. Consagrar-se a Ela duma maneira especial e solene.

117. Há ainda outras numerosas práticas da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem que o Espírito Divino inspirou às almas santas, e que são muito santificadoras. Podem ser lidas por extenso em “Paraíso aberto a Filágia”, composto pelo Reverendíssimo Padre Paul Barry, da Companhia de Jesus. Nesse livro o autor recolheu grande número de devoções praticadas pelos santos em honra da Santíssima Virgem. Estas devoções são duma eficácia maravilhosa para santificar as almas, desde que sejam feitas:

- Com a boa e reta intenção de só agradar a Deus, e de se unir a Jesus Cristo como a seu fim último, e de edificar o próximo;

- Com atenção, sem distrações voluntárias;

- Com devoção, sem precipitação nem negligência;

- Com modéstia e compostura respeitosa e edificante do corpo.

II. A Prática Perfeita

118. Tenho lido quase todos os livros que tratam da Devoção à Santíssima Virgem, e tenho conversado familiarmente com os mais santos e sábios personagens destes últimos tempos. No entanto declaro bem alto que não conheci nem aprendi prática de devoção semelhante à que vou expor. Esta exige duma alma mais sacrifícios por Deus e a esvazia mais de si mesma e do seu amor próprio. Conserva-a ainda mais fielmente na graça e a graça nela. Une-a também mais perfeitamente a Jesus Cristo, e, finalmente, é mais gloriosa para Deus, mais santificante para a alma e mais útil ao próximo.

119. Como o essencial desta Devoção consiste no interior, que ela deve formar, não será igualmente compreendida por todos. Uns ficarão no que é exterior e não passarão além; e estes serão a maioria. Outros, e serão em pequeno número, penetrarão no interior da Devoção, mas subirão um degrau. Quem subirá ao segundo? Quem chegará ao terceiro? E quem aí se estabelecerá duma maneira permanente? Só aquele a quem o Espírito de Jesus Cristo revelar este segredo. Será Ele próprio quem conduzirá a alma fidelíssima para lá, para avançar de virtude em virtude, de graça em graça, de luz em luz até que chegue à transformação de si mesmo em Jesus Cristo, à plenitude da sua idade na Terra e da sua glória no Céu.

CAPÍTULO QUARTO - EM BREVE